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Homenagem à pintura contemporânea

Homenagem à pintura contemporânea

Bruno Miguel

A apreciação das pinturas de Bruno Miguel transporta-nos, de imediato, a séculos de história: da pintura, das imagens, das idéias. Simultaneamente, porém, elas nos remetem ao nosso próprio tempo, para o modo como nos relacionamos com o mundo, nossas crenças, nossas dúvidas. Através de suas escolhas, de seus procedimentos e de seus questionamentos, o artista nos coloca frente a frente com nossa condição na contemporaneidade: em um mundo onde a tecnologia e os meios de comunicação e informação se tornaram quase predominantes, onde nossa relação com a história, com a paisagem e com as imagens muitas vezes é banalizada, como podemos ter um olhar profundo sobre algo?

Analisar a pintura de Bruno Miguel e o modo como se dá a sua concepção é considerar a própria história desta linguagem. A construção de diferentes espaços plásticos, os procedimentos que extrapolam a própria noção de fatura pictórica, o uso de materiais, que vão das tintas a óleo e acrílica, tinta automotiva e "asa de barata" às colagens diversas, o aparente embate entre figuração e abstração, o rigor da composição, aliado ao experimentalismo e ao acaso; todos esses aspectos reforçam o entendimento de que o artista assume para si esse passado, essa história, identifica-se com seus ancestrais da pintura, reivindica o posto de "pintor". Contudo, também assume a necessidade de "ser do seu tempo", de alargar os limites encontrados outrora e investigar aquilo que se afirmou inicialmente como uma pergunta: há espaço para a pintura de paisagem na arte contemporânea? O mais interessante é pensar que Bruno Miguel nem chega a cogitar se a pintura pode ser vista como arte atualmente, frente às inúmeras tentativas de decreto de sua morte na história recente. Para ele, e para nós, a pintura está "viva", em constante transformação, e ainda pode ter muito a dizer.

Pensar em "paisagem" e em "pintura contemporânea" foi o ponto de partida para uma reflexão sobre a compreensão da pintura como linguagem, mas também do papel assumido pelas imagens na contemporaneidade. Novamente, uma história, a das imagens, apresenta-se em evidência, a partir do momento em que o artista torna-se um "apropriador" de referências. Imagens as mais diversas, da arquitetura moderna ao paisagismo, da história da arte à cultura popular, convivem sobre o suporte nem sempre neutro, em um jogo onde as possibilidades de significações não se limitam ao gesto e à ordenação dada pelo autor. Ao trabalhar com fragmentos diversos, gerando uma série de tensões espaciais, Bruno Miguel não quer unir elementos ocasionais, aparentemente díspares, destituindo-os de seus sentidos originais. Ele tem consciência de que suas aproximações não são imparciais, mas permite ao expectador, por outro lado, que este atribua outros significados a tais formas; enfim, que complete, a seu modo, a trama que unirá essas imagens, definindo relações nem sempre previamente planejadas.

Por último, ao apresentarem referências à arquitetura moderna, à construção e modificação do ambiente cotidiano, podemos pensar como a história das idéias pode atuar nessas pinturas. O projeto construtivo, base do pensamento racionalista dessa vertente da arquitetura, pressupunha uma construção racional como forma de condicionamento político e social. Ambientes racionalmente planejados, funcionais e esteticamente ordenados seriam o indício de uma sociedade mais justa e igualitária. Se originalmente tal ideal ambiciosamente foi colocado em prática e depois definido como utópico, para o artista ele se concretiza na ordem do espaço pictórico, no território dos projetos, das sutilezas e das possibilidades. Como "construtor" de espaços, como um "quase arquiteto", segundo suas próprias palavras, organizando, planejando, controlando o que supostamente é caos e acaso, Bruno Miguel provocantemente sugere em suas pinturas uma grande variedade de diálogos possíveis entre aquilo que aparentemente é conflituoso. No gesto ordenador, ele objetiva a harmonia.

Sendo assim, as pinturas expostas fazem-nos pensar na condição da pintura, das imagens e das ideologias na arte contemporânea. Elas reforçam a concepção de que hoje não importa se o trabalho é realizado como pintura ou vídeo, fotografia ou intervenção – linguagens pelas quais Bruno Miguel também transita –; o que importa, sim, são as questões da contemporaneidade que podem ser colocadas através do fazer artístico. Neste sentido, sua pintura é um caso exemplar.

Ivair Reinaldim

Curador

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