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Have a nice day

Have a Nice Day!

23:41 – algum lugar entre Nova York e Rio de Janeiro em um vôo da US.Airways.

A paisagem é um intervalo. Cada vez mais, a relação do espectador com a paisagem se dá entre dois momentos principais. Normalmente a casa e o trabalho, mas regularmente um dos dois é substituído pelo lazer. O acesso à paisagem acontece cotidianamente de maneira quase despercebida. E com uma característica clara, o movimento. Nós estamos em movimento, a paisagem está em movimento e nossa percepção do mundo lá fora (do meio de transporte), infelizmente, nem sempre dá conta de captar as minúcias que essa relação espaço tempo oferece para o nosso deleite.

Minha geração, a primeira a ser considerada uma juventude global, conquistou o mundo através da internet, fazendo com que nossas identidades transcendam o lugar de onde somos. O consumo globalizado promove conexões estéticas e comportamentais. Porém o excesso de informação e possibilidades está nos fazendo sofrer de ansiedade crônica. Desenvolvemos um modo não linear de pensar, reflexo da internet, e uma capacidade de captura de imagens em segundos, fruto da MTV.

Esse cenário norteia o desenvolvimento dessa exposição, Have a Nice Day! O título da mostra, além de remeter ao tradicional Carpe Diem, é também a expressão utilizada como saudação comercial que mais ouvi em meu mês de estadia em Nova York, o laboratório perfeito para o tipo de imagem que me interessa apresentar nessa série de pinturas. Pesquisando a pintura na paisagem, desdobramento que elegi como pontapé inicial da série, entendi que essa presença acontece primordialmente em nossa sociedade a partir da necessidade da indústria do capital seduzir o consumidor através da propaganda e do marketing.

Vivemos uma realidade de excessos, a economia global depende do consumo, e dentro das grandes cidades a paisagem já carregada sofre ainda mais pressão devido a esses interesses. A paisagem bucólica se transforma em uma lembrança, e para muitos de uma experiência nunca vivida. Essa paisagem idealizada se torna um oásis, um universo pseudo-lúdico como fuga de um mundo de imagens ansiosas. A possibilidade de parar o tempo e mergulhar em um sublime recorte de paisagens inalcançáveis passa a ser um anseio muitas vezes só possível de ser realizado em universos virtuais como o de games, do cinema ou da literatura.

Não busco falar de um lugar específico, procurei uma paisagem global, que exalasse clichês sendo lugar comum e reconhecível para a maioria. O cinema, que tanto divulgou esse tipo de "paisagem em inglês" é também protagonista dentro da evolução técnica e conceitual da imagem. Esse caminho precocemente dito como sem volta da imagem para o campo da tridimensionalidade, que as novas tecnologias vêm afirmar, é uma das frentes que abro em minha série de pinturas, dando uma resposta analógica às ferramentas digitais. Utilizo para isso uma série de molduras com vidro que foram do meu ex-professor com quem trabalho há anos, Carlos Zilio.

Retrato paisagens de passagens. Imagens que normalmente, devido ao ritmo que a vida nos impõe, passam indiferentes frente aos nossos olhares. Uma relação entre o frame/estático e a narrativa/movimento. Essa realidade do deslocamento é algo cotidiano em minha vida. Eu, como morador da Ilha do Governador, perco em média uma hora da minha casa até qualquer lugar. Acho que essa dinâmica reeducou meu olhar, desacelerando minha percepção para situações antes anestesiadas. Além das discussões evidentes como a pintura e o plano, a ilusão da perspectiva e os processos híbridos, abordo a possibilidade de se fazer uma leitura um pouco mais politizada da pintura de paisagem.

Com os móveis-paisagens sugiro outra possível relação com a paisagem na contemporaneidade. Sempre procurando associar a estética da zona norte carioca ao meu trabalho, utilizo o carnaval e a alegoria como referência na construção desses móveis repletos de lembranças por sua história. Todas as partes de mobiliário utilizadas em sua construção eram de peças usadas, compradas em brechós, dadas por amigos ou que pertenceram à minha família. Acredito que essa carga conceitual, que a utilização de suportes com uma pré-história acumulada apresenta, enriquece a obra e a relação com o espectador. O fato de não serem móveis funcionais reafirma a intenção do sublime. A possibilidade de trazer para dentro o imóvel, o monumental transformado em doméstico. E também com essa atitude comentar o poder do mercado que tudo transforma em produto.




Acho que o entendimento do mundo à nossa volta e a capacidade de desenvolver um pensamento crítico com condições de ser convertido em imagem, técnica e conceito é a maneira mais resumida de, na minha opinião, definir o que deve ser um artista hoje. Entender as interfaces da pintura com outras linguagens, a vida contemporânea e a história são obrigações das quais nenhum de nós, pintores, artistas visuais, formadores de opinião podemos de maneira consciente pensar em nos abster. Mesmo (ou principalmente) para discordar ou contestar, é necessário estar inserido.

Bruno Miguel

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